top of page

Chincho Gordo: um ótimo hambúrguer, apesar da seita do ponto

Foto do escritor: Guilherme Lobão de QueirozGuilherme Lobão de Queiroz

Melhor hambúrguer do Distrito Federal? Submeti-me, certa vez, a um esforço hercúleo durante o ano de 2018 e parte de 2019 para chegar a um ranking, a partir de quase uma centena de harmburguerias testadas -- e, então, publicado na coluna que assinava no Metrópoles, Prato Feito. Boa parte das casas visitadas à época já fecharam -- claro, rolou uma pandemia no meio. Do top 3, apenas 1 permanece. Concluo, hoje, o quão fúteis, efêmeros e injustos podem ser os rankings.


Luto contra eles, mas sucumbo à noção referencial que alcançam, por motivos de linguagem acessível ao grande público. Tudo pelo debate. Não curto rankings, mas já vou começar afirmando que este hambúrguer seria hoje um dos postulantes ao top 3 de Brasília (ou do DF fomos um todo).


Desta vez concluo sem o amparo do rigoroso (e doloroso) método de 2018. Doloroso, sim, pois a glutonaria me enoja e me enjoa. Tranquilamente, Chincho Gordo pode reivindicar o posto de melhor ou de um dos melhores burgers da cidade. Porém, nem ele, está livre do peso da crítica.


Um estabelecimento quase de rua, Chincho hoje ocupa o ponto de uma antiga banca de revistas dessas que sempre habitaram as superquadras de Brasília. Com a crise editorial do novo século, as bancas ganharam novos contornos comerciais. Tornaram-se vendinhas, mercearias, lanchonetes, creperias, lojas de acessórios eletrônicos, queijarias e, até... hamburgueria.


Pão brioche de boa qualidade e estrutura, maionese de textura aveludada e graciosa acidez, bons queijos a depender do seu pedido, bacon fininho crocante e, para coroar, um blend de carnes das melhores que você terá hoje no mercado. Há grande equilíbrio entre gordura e carne, expressando bem a mineralidade proteica dos cortes bovinos, sem fibrosidade, sem aquele mastigar borrachento típico das hambuguerias "artesanais" autoproclamadas melhores do mundo.


Chincho joga na liga dos bons artesanais -- até porque artesanal não é indicativo de qualidade necessariamente. E, por isso, sofre de algumas irregularidades. A batata frita, a qual tinha para mim como uma das mais habilidosas frituras de fast-food da região, na última visita passou do ponto. Ressecou, enrijeceu, beirou o amargor e entregou não a esperada crocância externa com interior suculento.


De fininha e dourada, passou para uma textura de batata palha robusta de coloração quase âmbar. Logo comigo, pois meus vizinhos de mesa receberam (aparentemente) os exemplares que, até então, se assemelhavam ao padrão.


Outro deslize, ainda dentre os coadjuvantes, aparece nos nuggets de carne suína. Só de mudar o bicho, o nível foi elevado. Porém, o tempero sobressai de modo desequilibrado. Chincho usa uma mistura de temperos de inclinação oriental, com evidente toque de gengibre e um susto inconveniente da pimenta Jamaica (talvez um zimbro junto?).


A primeira bocada é muito saborosa, mas nem a boa mostarda que acompanha a porção aplaina a adstringência potente do rub, que gradualmente se mostra enjoativo.


Os hambúrgueres? Ah, são ótimos. Peça de olhos fechados. Até mesmo o patty melt, aquele misto quente de hambúrguer bem queijudo dos fast-foods americanos. Qualquer um deles vai entregar suculência e equilíbrio. E, se sua logística permitir, apareça nas eventuais noites de taco, para provar as ótimas e criativas receitas do chef Thiago Antunes.


Há um porém. Sobretudo para desavisados. A casa pertence à onda de hamburguerias às quais me refiro como "xiitas do ponto". É aquele ponto da carne pouco ou nada inteligível dentro do próprio regramento técnico dos assados. Os xiitas estabeleceram uma gramática própria para se referir a um cozimento cujo ponto beira o cru.


Este pequeno fenômeno ganhou notoriedade nacionalmente a partir da polêmica (somada à nada amistosa abordagem do finado Underdog, em São Paulo). Ali ao ponto significa selado e, com sorte, vem um mal passado. Pedir bem passado é considerado um acinte. Concordaria, se o referencial fosse o regular técnico.


Eis o grande problema do Chincho: não entrega o pedido ao balcão tal como fora solicitado, ao menos no entendimento comum. Mas, aqui o atendimento é cordial até para "hereges", ou seja, ninguém vai te expulsar de lá se "cometer" um pedido "bem passado".


Como traduzi essa gramática desde quando a casa operava no subsolo do bloco C da 404 Norte, quase uma dark kitchen em tempos pandêmicos, consigo aproveitar o melhor do Chincho.


Ao ponto mais vem alguma coisa entre ponto menos e ao ponto. Suculência é diferente de crueza e o ponto da casa arrisca se aproximar mais do tartare do que do hambúrguer. Há toda uma horda de seguidores desta seita do malpassado que reivindicará razão. Para esses, Chincho será um paraíso.


Afora esse xiitismo, justiça seja feita: ainda que selado, com o interior não só a temperatura ambiente, mas frio mesmo, Chincho serve sanduíches sem complicações e arestas,=. Hambúrguer melhora na simplicidade e, por isso, diria facilmente que se trata de um dos melhores hambúrgueres de Brasília.

264 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Commentaires


bottom of page