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Crioula Café: cozinha de memórias

Foto do escritor: Guilherme Lobão de QueirozGuilherme Lobão de Queiroz

Atualizado: 9 de fev. de 2023


Memórias, ancestralidade e o hoje banalizado “afetivo” sempre alimentaram o setor da hospitalidade. Afinal, ela própria nasce do gesto generoso, da “dádiva”, teoria que conceitua esse serviço, "tão moderna e contemporânea quanto característica das sociedades primitivas", escrevia Jacques Godbout em Recevoir c’est donner (receber é dar). O valor da memória gastronômica ainda é digno de nota, apesar do que a indústria de ultraprocessados ou o ostensivo uso marqueteiro por restaurantes fizeram com ele.


Vide o que a chef e barista Helena Rosa fez com seu Crioula Café, no Guará II (DF). Nascida e criada em quilombo na região de Cavalcante (GO) e hoje radicada em Brasília, ela trouxe para o meio da cidade, num canto escondidinho de uma galeria comercial da QI 30, suas memórias de infância. Não é só história contada, mas história vivida. E, no caso de Helena, história feita de memória reconstituída para um negócio muito bem desenhado comercialmente.


Espero que, apesar do pouco movimento que testemunhei nas vezes em que fui, cresça bastante. Tem o café coado no filtro de pano, como manda a tradição dos nossos interiores (do caipira ao sertanejo, do tropeiro ao quilombola). Mas tem ainda os métodos modernos. O indispensável v60, a clever, o espresso e a prensa francesa - para um futuro próximo Helena planeja colocar ainda o café turco, cujo recipiente para fazê-lo repousa nas prateleiras afixadas sobre a parede que emula o barro das casas de pau-a-´pique.


No cardápio, a coisa fica mais bonita ainda. Pamonha feita como em Goiás. Licença para um paradoxo: a você que não conhece Brasília, estamos situados no meio de Goiás, mas não temos pamonha que preste por essas bandas - uma ou outra pelas satélites, cidades mais afastadas do Plano Piloto. O Guará tá bem coladinho.


A pamonha de Helena é feita ali, produção limitadíssima. Comi a temperada, também chamada à moda ou recheada, minha favorita. Como é bom saborear a massa amidosa de pugente sabor de milho verde fresco, linguiça de boa procedência e um tato invejável para o equilíbrio dos temperos a acentuar uma picância que só favorece a essência e não a macula. Não tinha "de doce", certamente a mais cobiçada por essas bandas.


O menu é mandioca e milho. Rainha e rei da biodiversidade brasileira. Pão de queijo, beijus, cuscuz fofo e bolos dos mais caprichados: o de macaxeira é levíssimo, perfeitamente esférico e dourado feito ornamento, perfeitamente caramelizado. Há chocolate com baru e muitas receitas com o cajuzinho do Cerrado, tão abundante nos quilombos de Cavalcante (sazonal, claro).


Por volta de agosto e setembro rola suco e compota com o fruto para ornar waffle. Sim, a adesão ao cosmopolitismo é necessário por força do negócio - e, julgo aqui, bem vindo.


Mas, o orgulho da casa é o bolo de laranja, acompanhado de calda da mesma fruta. Helena normalmente está lá para receber o cliente, simpática e muito modesta para a enormidade de seu talento. Na simplicidade do espaço, filtro de barro e copinhos de alumínio denunciam que as memórias importam. Nem tudo é só marketing.


MENÇÃO DO CRÍTICO*


Vale a garfada





*A menção do crítico de 1 garfo é outorgada aos estabelecimentos reconhecidos por sua qualidade, na avaliação total pelos critérios objetivos e subjetivos descritos aqui, independentemente de categorias (pode ser um carrinho de comida de rua local ou restaurantes nacional e internacionalmente reconhecidos).

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2 komentarze


Fiquei com vontade de conhecer esse café!!! E falando em pamonha... Na feira do produtor de Vicente Pires tem uma banca especializada em milho e comida sertaneja. Grande destaque para as pamonhas e principalmente a pamonha frita (de sal e de sal com pimenta). Tudo muito bem feito e temperado. E de lambuja.. ainda oferecem uns copinhos com as outras opções do dia para você provar. Eu provei o carreteiro e a galinhada que estavam bem gostosos e com muito tempero.

Polub
Odpowiada osobie:

Sim, frequento lá há uns dez anos. A pamonha frita é outra pegada, mas gosto muito. Curto muito lá o churrasquinho do mineiro e a Sabor Real, que tem um cuscuz incrível. E essa galinhada é sensacional!

Polub
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