Degusta é a nova seção do blog Garfo do Crítico dedicado ao fomento e à reflexão acerca de vinhos, com ênfase especial na produção vitivinícola brasileira
Na degusta deste mês, foram avaliados três rótulos brasileiros. Um sólido exemplar da Serra Gaúcha, terroir mais histórico e consolidado da produção vitivinícola nacional, e outros dois de um novíssimo terroir, ainda em processo de descoberta, jovem, complexo e inesperado. Falo do terroir do Planalto Central, especificamente nas regiões de Brasília e da Ride (Entorno do Distrito Federal).
Ercoara Maná Syrah 2021
Região: Ride/DF, Brasil
Tipo: Vinho Tinto
Safra: 2021
Teor alcoólico: 13,8%
Uva: Syrah 100%
Barrica: 18 meses
Prêmios: Medalha de Ouro Vinhos do Cerrado/Wine Jazz Festival 2023
Temperatura de consumo: 15º a 18º C
Notas do crítico: Uma nítida evolução do Tapiocanga, o Syrah anterior, uma espécie de single vineyard engarrafado ano passado. Maná 2021 é um tinto de colheita de inverno elaborado a partir dos melhores cachos de duas parcelas da Vinícola Ercoara (Aprisco e Vereda). Apresenta corpo mais robusto, taninos firmes, secos, contudo, muito polidos. Para um Syrah ainda abaixo dos 14% de álcool é um grande feito, pois permite uma degustação mais redonda, sem perder o caráter típico da uva, entregando opulência da fruta. Mais complexo, nele a fruta não aparece imediatamente no nariz. Amadeirado, com muito cedro e um traço defumado distante, mesmo sendo um vinho jovem requer um descanso de 30 minutos para revelar suas frutas escuras maduras. Ao primeiro gole é intenso, com final muito ácido e quente. Em seguida puxa para compota de frutas, goiabada cascão, com um quê de animal. A passagem por madeira traz um corpo impressionante, de médio para intenso, a partir de um blend de barricas interessante: após estágio três meses em cubas de inox, envelheceu 60% por 18 meses em carvalho francês de primeiro uso e 40% por 14 meses em barricas de segundo uso. Harmonize, obviamente, com cordeiro, para a experiência dentro da filosofia da Vinícola, dividida entre a ovinocultura e a viticultura. Um vinho que talvez requeira mais guarda. Beba nos próximos 3 anos. Não vejo a hora de conhecer a linha Reserva de Família decorrente desta safra. Deverá ficar uma potência. 1.605 garrafas envasadas.
Sobre o produtor: Desde muito jovem, em 2001, o veterinário e fazendeiro brasiliense Erbert Araújo toca a Ercoara, então uma criação de ovinos em Cristalina (GO), integrante da Ride (Entorno do Distrito Federal). Após as primeiras safras bem-sucedidas da viticultura goiana, somou-se ao seu irmão, Eric Araújo, e ao concunhado amante de vinhos, Rodrigo Sucena, para se aventurar em plantar vinhedos no desértico solo do Planalto Central. Há 5 anos, a Ercoara se associou à Vinícola Brasília, uma cooperativa empresarial que reúne dez produtores de vinhos no DF e Entorno. Engarrafou o primeiro vinho, o Canindé Syrah Rosé, há mais ou menos dois anos apenas. Trabalha com vinhos de colheita de inverno, e também funciona como espaço de enoturismo, recebendo público para visitação, com direito à demonstração de pastoreio das ovelhas com ajuda de um cão border collie, e experiência enogastronômica musical aos sábados (por temporada). Os pratos são harmonizados com carne de cordeiro e outros produtos da fazenda, como salame e queijo de ovelha.
Meninas do Vinhedo 2022
Região: Lago Norte/Brasília, Brasil
Tipo: Vinho Tinto
Safra: 2022
Teor alcoólico: 13%
Barrica: 6 meses
Uva: Cabernet Sauvignon e Syrah
Temperatura de consumo: 16º a 18º
Notas do crítico: Um vinho urbano que se aproveita do complexo e muito artificializado terroir do Planalto Central encontrado em Brasília, cuja vegetação nativa foi em muito combinada e influenciada por espécies não nativas. Pois as parreiras de uva sendo uma presença igualmente estrangeira, o solo brasiliense se mostra mais do que adaptado para elas. Sobre o vinho. Esqueça a tipicidade que possa haver num corte de 50% Cabernet Sauvignon com 50% Syrah. O resultado do assemblage traz uma lembrança de um Primitivo pugliese, por sua extrema suculência, de notas adocicadas e muita, muita opulência de frutas pretas e vermelhas maduras, no ápice do dulçor. Essa semelhança é justificada: a elaboração segue princípios semelhantes ao trabalho com um Primitivo, cuja uva gera uma enorme quantidade de açúcar residual. Taninos discretos porém presentes, mas de final curto. Acidez brilhante e equilibrada, estimula uma fácil degustação, embora traga alguma complexidade com notas de especiarias doces, um levíssimo defumado e quase nada de madeira na percepção do paladar, o que pode sugerir um corpo muito integrado, porém quase leve. O nariz é curiosíssimo, com um mofo inicial, meio putrefato. É onde revela a madeira, mas, em instantes, se abre para uma coisa de cheesecake, ou algum dulçor de fruta baunilhada e uma presença láctea. Começo achar que essas intempéries próprias da vinificação natural percebidas no olfato seja alguma uma assinatura do enólogo Carlos Sanabria, especialista em naturais, mas que neste rótulo para o Vinhedo Lacustre apresenta um trabalho mais de dicionário. Fresco, fresco; doce, doce, sem ser açucarado, mas quase uma sensação de um meio-seco. Um vinho que dispensa companhia, mas que tem um lado gastronômico vivaz para levantar degustações sobretudo com presunto cru e queijos. Carne vermelha com molho agridoce, sugestão da ficha técnica, é a pedida para uma harmonização quase que por semelhança, pois o fator agridoce é exuberante neste vinho. Beber agora. 300 garrafas apenas.
Sobre o produtor: Vinícola urbana instalada da região administrativa do Lago Norte, no coração de Brasília (15 minutos da Esplanada dos Ministérios), produz vinhos a uma altitude de 1.060 metros, em 1 hectare com vista para o Lago Paranoá. Recebe visitantes, sob agendamento, para atividades enogastronômicas e turísticas, abrindo seu bistrô, com degustação de vinho e espaço para piquenique. O terreno já tem videiras plantadas desde 2010, mas o trabalho mais profissional começou há menos de dois anos, com a parceria do proprietário e idealizador da vinícola Marcos Ritter com o vinhateiro e enólogo gaúcho radicado em Brasília, Carlos Sanabria, especialista em microvinificação. A produção se concentra em Merlot, Syrah, Cabernet Sauvignon e Pinotage, mas está em testes de Alvarinho, Lorena, Cabernet Franc e Marselan.
Casa Perini Moscatel Aquarela
Região: Serra Gaúcha/RS, Brasil
Tipo: Espumante
Categoria: Rosé
Safra: NV
Teor alcoólico: 7,5%
Uva: Moscato Branco, Moscato de Hamburgo, Moscato Giallo
Prêmios: Medalha de Ouro Espumante Fino Brasileiro 2017; Campeão Grande Prova Vinhos do Brasil 2015; Medalha de Prata Muscats du Monde (França) 2012 e 2011; Medalha de Prata Vinalies Internationales (França) 2015; Medalha de ouro Concurso do Espumante Brasileiro 2015
Temperatura de consumo: 4º a 6º
Preço sugerido pelo produtor: R$ 72,90 (compre aqui).
Notas do crítico: Resultado de um assemblage de três varietais da uva Moscato, abundante na Serra Gaúcha de onde também extrai muita tipicidade, Aquarela faz jus ao nome pela coloração rosácea suave, entre o pálido e o brilhante, próprio de uma pintura. Embora não entregue perlage muito firme (afinal falamos de Moscato e não de uma Pinot Meunier), consequência da própria vinificação pelo método piamontese Asti (próprio para espumantes levíssimos), suas borbulhas apresentam-se exuberantes e delicadas em taça. Aromas florais com um leve frutado de manga rosa. Ao beber as características do vinho entregam uma improvável surpresa cítrica em boca, em meio à doçura no paladar remetendo a zest de laranjas (lima e pêra) e novamente uma coisa meio floral, de colônia. Um tanto evanescente, como se espera de um vinho sem corpo e sem madeira. Próprio Moscatel de beira de piscina, informal, para abrir no clube ou na praia. Quase um suquinho. Para servi-lo como vinho de sobremesa, prefira receitas de doce com mais acidez, frutas, leveza e frescor. Não me vá tomar esta taça com uma torta daquelas chocolatudas. Abrir e beber.
Sobre o produtor: Vinícola quase centenária, localizada no Vale Trentino (Farroupilha, RS), foi fundada em 1929 por João Perini, filho de imigrantes italianos que elaborava vinhos de mesa de modo completamente artesanal, no porão de casa. A profissionalização do trabalho veio em 1970, com tecnologia e mão de obra apropriadas. Desde então, se tornou referência da viticultura brasileira, sobretudo por seus premiadíssimos espumantes.
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